Na cabeça de um adolescente
David Bainbridge, professor e investigador, explica em entrevista como lidar com jovens nesta fase
Concorda que adolescentes e adultos são, até certo ponto, incompatíveis? Descubra o porquê e como superar os problemas que surgem.
Incompreendido. Esta é a palavra que parece definir o comportamento de um adolescente, que nunca se levanta a horas, pensa ser imortal e dá um sentido muito próprio ao termo irresponsabilidade.
Com três filhos, David Bainbridge, professor e investigador, quis «escrever um livro acerca de adolescentes que fosse positivo» e, por isso, voltou-se para a ciência. O autor considera que a adolescência é o pico da evolução humana e que os adolescentes são a razão de ser dos adultos, cuja função é cuidar dos primeiros.
Esta é também a oportunidade de percebermos o que se passa no corpo de um adolescente, a relação com o seu comportamento e aquilo que parece funcionar ou falhar no nosso relacionamento com os jovens.
Qual é a importância das experiências que adquirimos durante a adolescência para o nosso desenvolvimento?
Considero que são extremamente importantes. De acordo com a psicanálise clássica, a infância é uma fase central. Mas já não acreditamos nisso. Existem tantos comportamentos, complexos sociais, sexuais e românticos que ocorrem na adolescência… Pode ser muito difícil desaprendê-los quando somos adultos.
Em que diferem a mente e o raciocínio adolescentes da mente e raciocínio adultos?
O cérebro adolescente está a passar por uma reconstrução extraordinária para desenvolver a sua forma adulta. Mas muitos dos seus aspectos reflectem traços benéficos que estão invulgarmente bem desenvolvidos, como a criatividade, a abstração, a intensidade emocional, a capacidade de correr riscos. Adultos e adolescentes pensam realmente de forma diferente.
As hormonas são as únicas responsáveis pelo comportamento tipicamente adolescente?
A maioria dos nossos comportamentos é intrínseca ao cérebro e, por causa disso, as hormonas têm pouco efeito. De facto, cérebro e comportamento desenvolvem-se de forma independente da puberdade. Todos sabemos, por experiência própria, que a chegada da puberdade não afecta muito a maturidade mental.
Por que considera a diferença de maturidade entre os sexos a essência da adolescência?
Durante a adolescência, tudo acontece, em média, primeiro às raparigas e depois aos rapazes, nomeadamente a reestruturação do cérebro, o desenvolvimento social, mudanças hormonais físicas.
A fertilidade é a única excepção e isso deve-se provavelmente ao facto de a fertilidade masculina ser muito mais simples do que a feminina. Para onde quer que olhe, a adolescência actua de forma a que os rapazes e as raparigas sejam o mais diferentes possível.
Os pais devem ser completamente honestos com os adolescentes ou devem dizer algumas mentiras inocentes?
Penso que ajuda sempre ser honesto e, caso não tenham a certeza, dizer que não existem provas científicas para aquilo que estão a defender, apenas teorias com muitos factos que as apoiam.
Existe realmente uma falha de comunicação entre adultos e adolescentes ou há uma falta de vontade de comunicar?
Muitos dados demonstram que os adolescentes estão simplesmente mais interessados em falar entre eles do que com adultos. Além disso, os pais são especialmente afectados por este desinteresse porque distanciar-se psicologicamente dos progenitores é uma parte essencial do processo de crescimento. Estudos mostram que esse afastamento é essencial para o bem-estar psicológico posteriormente.
O que caracteriza a comunicação adolescente e qual o papel das novas tecnologias?
A comunicação adolescente é personalizada para públicos diferentes. Os adolescentes comunicam pouco com os seus pais, mas de forma muito articulada com outros adultos. No seio dos seus grupos sociais, empregam uma linguagem complexa que envolve piadas privadas, sarcasmo, códigos e jargão, concebida para excluir adultos, crianças e muitos outros adolescentes. A comunicação electrónica moderna simplesmente tornou o processo muito mais fácil.
Porque é que os adolescentes correm mais riscos e que papel tem esse comportamento no seu desenvolvimento?
Correr riscos é uma parte essencial da vida e poucas pessoas bem-sucedidas podem dizer que os seus sucessos não se deveram, em parte, a terem corrido riscos. Assim, adolescência é uma altura em que os adolescentes aprendem a correr riscos, descobrem as sensações que isso origina e o que podem ganhar ou perder com isso.
Os adolescentes precisam mesmo de dormir mais do que os adultos?
Mais talvez não, mas provavelmente a horas diferentes.
Do ponto de vista fisiológico, o sono dos adolescentes faz com que seja mais fácil ficar acordado até mais tarde sem se sentirem cansados, mas que seja mais difícil acordar de manhã. Existem várias teorias que explicam esta situação mas, por enquanto, não foram feitas experiências que as suportem.
A raiva e a sua exteriorização têm algum papel no desenvolvimento dos adolescentes?
Parte da reestruturação do cérebro adolescente envolve uma alteração temporária das conexões entre centros emocionais e centros mais analíticos. Os adolescentes podem parecer emocionalmente muito voláteis e a raiva pode surgir. Se tem uma função ou é apenas um efeito secundário da reestruturação do cérebro, não sabemos. Devemos lembrar-nos que ser adolescente é muito desafiante.
Questionar a autoridade faz parte do processo de crescer?
Desenvolver uma auto-imagem como pessoa autónoma e independente é muito importante e libertar-se de controlos externos é uma parte crucial desse processo. É uma extensão da rejeição dos pais de que falei anteriormente.
Os adolescentes são mais susceptíveis ao desenvolvimento de depressões e perturbações mentais?
A perturbação mental parece surgir durante a adolescência. A minha sugestão é que, antes da adolescência, o cérebro não é suficientemente complexo ou humano para padecer de todas as perturbações mentais que afectam a nossa espécie. As raparigas sofrem mais de depressão do que os rapazes e, novamente, suspeito que tal acontece por os seus cérebros se desenvolverem ligeiramente mais cedo.
Utiliza a expressão «tristeza adolescente». O que significa?
As emoções podem ser muito erráticas durante a adolescência o que, em si, pode explicar em grande parte a tristeza adolescente. Além disso, estes são os anos em que a auto-análise é muito prevalente e esta é uma competência muito importante para crescermos. Mas a
auto-análise pode exacerbar a tristeza. Este comportamento é perfeitamente normal e distinto de qualquer depressão clínica.
Como podem os pais ajudar o seu filho a ter uma boa auto-estima e a sentir que pode falar com adultos?
Estudos mostram que o melhor é demonstrar apoio emocional, independentemente da criança mostrar sinais de apreciar esse apoio.
Uma atmosfera familiar descontraída e de entreajuda é a melhor forma de os encorajar a falar, se eles quiserem fazê-lo.
Diz que a toxicodependência é um comportamento inerentemente adolescente. Porquê?
Os adolescentes consomem drogas pelas mesmas razões do que os adultos (divertimento, aborrecimento, vício, etc.) mas, para além disso, estão mais inclinados para correr riscos, procurar coisas novas e desobedecer à autoridade. Todos estes comportamentos são perfeitamente saudáveis e normais. As drogas modernas e potentes disponíveis hoje em dia é que são o problema.
Como podem os pais e a sociedade desencorajar os jovens de tomarem drogas?
Tal como na maioria dos casos, dando a conhecer as provas que existem sobre os malefícios das drogas e a frequência com que estes ocorrem, e discutir as razões pelas quais se acredita que os riscos de tomar drogas podem ser demasiado grandes. Simplesmente dizer não é uma abordagem notoriamente ineficaz.
O que caracteriza o comportamento sexual adolescente?
Os anos da adolescência são os anos em que os humanos evoluíram para começar a ter relações sexuais (e, presumivelmente, começar a ter filhos também). São também os anos em que aprendemos a ter confiança, felicidade e preferências sexuais. As relações românticas e sexuais podem ser extremamente intensas nesta altura.
Que conselhos daria aos pais para abordar a questão do sexo?
Em primeiro lugar, é improvável que as relações sexuais consensuais que ocorrem numa relação de amor descontraída causem algum tipo de problemas. Antes pelo contrário. Em segundo lugar, devia dizer-se aos adolescentes que, se eles usarem preservativo, podem esquecer as coisas terríveis com que os adultos tentam assustá-los (doenças sexualmente transmissíveis, gravidez, entre outras) e aproveitar as coisas boas! É importante que os adolescentes aprendam que as relações sexuais são supostamente agradáveis e não assustadoras.
Qual é a importância das amizades para um adolescente e como evitar que tenha más companhias?
As amizades são muito úteis para desenvolver relações sociais normais e estabelecer o seu lugar no mundo.
Quanto a influências negativas, os adolescentes são inerentemente desconfiados em relação ao que os adultos dizem.
Por isso, é muito mais provável que uma afirmação breve e suave dos pais, que exprima a sua opinião, seja mais eficaz do que estar constantemente a falar no assunto ou a fazer ameaças.
Texto: Julie Oliveira
REVISTA
SABER VIVER
em partilha por Voz do Vento...
A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.
Charles Chaplin
Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.
Albert Einstein
Aprenda como se você fosse viver para sempre. Viva como se você fosse morrer amanhã.
Mahatma Gandhi
Há duas formas para viver a sua vida:
Uma é acreditar que não existe milagre.
A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.
Fernando Pessoa
Viva uma vida boa e honrada. Assim, quando você ficar mais velho e pensar no passado, poderá obter prazer uma segunda vez.
Dalai Lama
Vale a pena viver - nem que seja para dizer que não vale a pena...
Mário Quintana
É sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar.
Jean Jacques Rousseau
Quando eu pensar que aprendi a viver, terei aprendido a morrer.
Leonardo da Vinci
Não viva para que a sua presença seja notada,
mas para que a sua falta seja sentida...
Bob Marley
Viver é enfrentar desafios.Quem nunca enfrentou desafios, apenas passou pela vida, não viveu.
Augusto Branco
É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar.
É melhor tentar, ainda que em vão que sentar-se, fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias frios em casa me esconder.
Prefiro ser feliz embora louco, que em conformidade viver.
Martin Luther King
Viva o hoje,
pois o ontem já se foi
e o amanhã talvez não venha.
Antoine de Saint-Exupéry
PORQUÊ O DIA 8 DE MARÇO
Neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias que, nas suas 16 horas, recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como "Dia Internacional da Mulher". De então para cá o movimento a favor da emancipação da mulher tem tomado forma, tanto em Portugal como no resto do mundo.
O QUE SE PRETENDE COM A CELEBRAÇÃO DESTE DIA
Pretende-se chamar a atenção para o papel e a dignidade da mulher e levar a uma tomada de consciência do valor da pessoa, perceber o seu papel na sociedade, contestar e rever preconceitos e limitações que vêm sendo impostos à mulher.
MARCOS DE UM PERCURSO
EM PORTUGAL
Carolina Angelo, nascida na Guarda em 1877, médica, cirurgiã, activista política, membro da Liga das Mulheres Repúblicanas, foi a primeira mulher em Portugal a exercer o direito de voto. | NO MUNDO 1691 -Estados Unidos 1788 - França
|
1822 - Primeira Constituição Liberal. Tanto esta Constituição como as seguintes afirmam. que a lei é igual para todos, sem referência especial às mulheres.
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.
Sophia nasceu no Porto, em 1919, no seio de uma família aristocrática. A sua infância e adolescência decorrem entre o Porto e Lisboa, onde cursou Filologia Clássica.
Após o casamento com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, fixa-se em Lisboa, passando a dividir a sua actividade entre a poesia e a actividade cívica, tendo sido notória activista contra o regime de Salazar. A sua poesia ergue-se como a voz da liberdade, especialmente em "O Livro Sexto". Foi sócia fundadora da "Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos"e a sua intervenção cívica foi uma constante, mesmo após a Revolução de Abril de 1974, tendo sido Deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista. Profundamente mediterrânica na sua tonalidade, a linguagem poética de Sophia de Mello Breyner denota, para além da sólida cultura clássica da autora e da sua paixão pela cultura grega, a pureza e a transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita, do poema. Luz, verticalidade e magia estão, aliás, sempre presentes na obra de Sophia, quer na obra poética, quer na importante obra para crianças que, inicialmente destinada aos seus cinco filhos, rapidamente se transformou em clássico da literatura infantil em Portugal, marcando sucessivas gerações de jovens leitores com títulos como "O Rapaz de Bronze", "A Fada Oriana" ou "A Menina do Mar". Sophia é ainda tradutora para português de obras de Claudel, Dante, Shakespeare e Eurípedes, tendo sido condecorada pelo governo italiano pela sua tradução de "O Purgatório".
| 1840 - Estados Unidos 1857 - Estados Unidos 1859 - Rússia 1862 - Suécia 1865 - Alemanha 1866 - Reino Unido 1868 - Reino Unido 1869 - Estados Unidos 1870 - França e Suécia 1874 - Japão 1878 - Rússia 1882 -. Estados Unidos 1893 - Nova Zelândia 1901- França |
Durante séculos, o papel da mulher incidiu sobretudo na sua função de mãe, esposa e dona de casa. Ao homem estava destinado um trabalho remunerado no exterior do núcleo familiar. Com o incremento da Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, muitas mulheres passaram a exercer uma actividade laboral, embora auferindo uma remuneração inferior à do homem. Lutando contra essa discriminação, as mulheres encetaram diversas formas de luta na Europa e nos EUA.
LENDA E REALIDADE
A lenda do Dia Internacional da Mulher como tendo surgido na sequência de uma greve, realizada em 8 de Março de 1857, por trabalhadoras de uma fábrica de fiação ou por costureiras de calçado - e que tem sido veiculada por muitos órgãos de informação - não tem qualquer rigor histórico, embora seja uma história de sacrifício e morte que cai bem como mito. |
CONSAGRAÇÃO DO 8 DE MARÇO COMO O DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Desde 1975, em sinal de apreço pela luta então encetada, as Nações Unidas decidiram consagrar o 8 de Março como Dia Internacional da Mulher.
Se, nos nossos dias, perante a lei da maioria dos países, não existe qualquer diferença entre um homem e uma mulher, a prática demonstra que ainda persistem muitos preconceitos em relação ao papel da mulher na sociedade. Produto de uma mentalidade ancestral, ao homem ficava mal assumir os trabalhos domésticos, o que implicava para a mulher que exercia uma profissão fora do lar a duplicação do seu trabalho. Foi necessário esperar pelas últimas décadas do século XX para que o homem passasse, aos poucos, a colaborar nas tarefas caseiras.
Mas, se no âmbito familiar se assiste a uma rápida mudança, na sociedade em geral a situação da mulher está ainda sujeita a velhas mentalidades que, embora de forma não declarada, cerceiam a sua plena igualdade.
O número de mulheres em lugares directivos é ainda diminuto, apesar de muitas delas demonstrarem excelentes qualidades para o seu desempenho. Hoje as mulheres estão integradas em todos os ramos profissionais, mesmo naqueles que, ainda há bem pouco tempo, apenas eram atribuídos aos homens, nomeadamente a intervenção em operações militares de alto risco.
Nos últimos anos, a festa comemorativa do Dia Da Mulher é aproveitada por muitas delas, de todas as idades, para sair de casa e festejar com as amigas, em bares e discotecas, o dia que lhes é dedicado, enquanto os homens ficam em casa a desempenhar as tarefas que, tradicionalmente, lhe são imputadas: arrumar a casa, fazer a comida, tratar dos filhos...
Se a sua esposa, irmã, mãe ou avó ainda é daquelas que, não obstante as suas tarefas laborais no exterior, ainda encontra tempo e paciência para que nada lhe falte, o mínimo que poderá fazer será aproveitar este dia para lhes transmitir o seu apreço. Um ramo de flores, mesmo que virtual, será, certamente, bastante apreciado. Mas não se fique por aqui. Eternize este dia, esquecendo mentalidades preconcebidas, colaborando mais com elas nas tarefas diárias e olhando-as de igual para igual em todas as circunstâncias, quer no interior do seu lar, quer no seu local de trabalho. Quando todos assim procedermos, não haverá mais necessidade de um dia dedicado à mulher.
Biografias > Emmeline, Christabel e Sylvia Pankhurst
Falar de Emmeline, Christabel e Sylvia Pankhurst é também relembrar às jovens de hoje que nasceram repletas de direitos: de estudar, de escolher a profissão, de ter a conta bancária, de viajar, de vestir o que lhes apetece, de casar ou coabitar com quem amam, de ter ou não filhos e entre muitos outros direitos, o de votar. Sem se lembrarem que no início do século XX ainda a maior parte das universidades europeias não permitia o ingresso de mulheres e que a luta pelo direito ao voto foi uma das mais acesas do séc. XIX, onde mulheres com muita ou pouca cultura e com mais ou menos bens económicos reivindicaram vivamente esse direito, tendo algumas dado a vida por essa conquista.
Na História Universal houve épocas e regiões onde as mulheres tiveram mais direitos que em séculos posteriores, como é sabido, porque a história é feita de assimetrias, de avanços e recuos, não é linear. É, porém consensual que foi o século XX que finalmente proporcionou às mulheres, praticamente de todo o mundo, o seu lugar na sociedade. Como disse a escritora e jornalista espanhola, Rosa Montero: «No vertiginoso lapso de tempo de cem anos, apenas um brevíssimo suspiro no decorrer dos tempos, as mulheres passaram do nada ao muito.»
A Revolução Francesa de 1789 que parecia ir proporcionar às mulheres a igualdade tão almejada não lhes trouxe os direitos nem as oportunidades que esperavam, e depois, com a chegada ao poder de Napoleão Bonaparte com o seu sexista Código Civil, de 1804, onde remete a mulher para a quase exclusiva tarefa da maternidade (continuando a permanecer propriedade do marido ou do pai), tudo ficou na mesma, mas a verdade os ventos de mudança da Revolução que pedia «Liberdade, Igualdade e Fraternidade» para todos e todas tinha deixado a semente da rebelião. Trouxe para a rua as mulheres, de todos os extractos sociais, saturadas de serem consideradas inferiores ou «bibelôs» para prazer dos homens. E sentiram a sua força. Por essa Europa fora e do outro lado do Atlântico, todas perceberam que era esta a oportunidade de reivindicarem os seus direitos. Criaram clubes que pugnavam por liberdade e igualdade, por melhor instrução, pela abolição da sujeição das mulheres aos pais ou maridos, dos empregados aos patrões. As mulheres unem-se em Ligas com propósitos de apoio a patriotas como aconteceu em Itália, em vésperas da unificação.
Nesta caminhada de luta nem todas saíram à rua, porque muitas mulheres houve que lutaram através da escrita, em simples panfletos, com escritos em jornais ou publicação de livros. A imprensa feminina deste período é um fenómeno extraordinário. Nos EUA a feminista Susan Anthony utilizava os escritórios da redacção do jornal The Revolution (1868-1870) para organizar as operárias nova-iorquinas. Fazem-se conferências, abrem-se salões políticos, luta-se por novas formas de família, onde o divórcio acabe com anos de servidão e hipocrisia. Lê-se muito e discutem-se ideias e ideais.
São as mulheres em França com esse emblemático jornal La Fronde, que teve enorme repercussão e proporcionou novos horizontes na caminhada para uma sociedade igualitária. No Reino Unido surgiram diversas publicações que denunciavam a tirania da Igreja e do Estado. Lutava-se contra a prostituição. A própria escritora Charlotte Brontë, autora de As Mulherzinhas participa numa manifestação feminista. Os jornais escritos por mulheres surgiram por todo o lado, alguns mesmo com apoio de homens mais esclarecidos. Na Alemanha, na então Checoslováquia, na Polónia, Holanda, Suíça, as mulheres movimentam-se de forma extraordinária. Para o jornal da famosa feminista alemã Clara Zetkin (1857-1933) escrevem jovens russas, austríacas e até a finlandesa Hilja Parssinen. As mulheres viviam em efervescência pelas suas causas. Era preciso recuperar o tempo perdido a todo o custo.
«”Se, na Europa, as feministas beneficiam, na primeira metade do século XIX, do espírito de revolução e de dissidência religiosa, o feminismo dos Estados Unidos é inicialmente marcado pelo espírito pioneiro. As Daughters of Liberty (uma das mais importantes sociedades patrióticas dos EUA aberta às mulheres) da Revolução americana como Abigail Adams, são teóricas isoladas (...) Todavia a partir do final do século XIX, os feminismos dos dois mundos ocidentais começam a aproximar-se.”» |
As mulheres com maior sentido de cidadania, no séc. XIX, começaram por pedir o direito à educação, isto é ao ensino oficial, fora do lar e com acesso a cursos superiores. A pouco e pouco foram-lhe abertas as portas das Universidades. Mas havia um direito fundamental mais abrangente que todas as mulheres aspiravam – o direito ao voto. A palavra sufrágio deu origem ao termo suffragettes em França, que foi utilizado no Reino Unido e EUA e que em Portugal, deu origem à palavra sufragista, que ainda hoje tem uma conotação demolidora, como teve no tempo das primeiras lutas das sufragistas em Inglaterra, caricaturadas como mulheres horrendas e complexadas que nenhum homem deseja. Hoje sabemos que isso nada tinha de verdade.
São muitas as inglesas que têm no Reino Unido estátuas mais ou menos monumentais, relembrando os seus feitos, desde a espectacular Boadiceia, que nos remotos tempos das lutas contra os romanos resistiu até à morte com bravura, até Emmeline Pankhurst, que passou a vida a exigir o voto para as mulheres e leis mais igualitárias. Foi presa vezes sem conto, por perturbar a vitoriana paz pública. Tem uma estátua em Westminster, em Londres e é considerada uma das 100 mulheres mais importantes do século XX, na Grã-Bretanha. Vamos conhecer esta mulher singular.
Emmeline Goulden nasceu, em 14 de Julho de 1858, em Manchester numa família com um forte sentido de justiça social. O pai, Robert Goulden, advogado tinha simpatias pelas ideias radicais e um gosto especial pelo teatro amador que escrevia e encenava em casa com os filhos. A mãe, Sophie Crane era uma feminista apaixonada. «Eu tinha 14 anos quando participei no meu primeiro meeting sufragista». De regresso da escola encontrou a mãe que ia para esse meeting. Seguiram ambas. «Os discursos interessaram-me logo e fiquei a ouvir Miss Lydia Becker que era a editora do Women’s Suffrage Journal. Passei a ir ouvi-las todas as semanas. «Saí do meeting com a consciência de uma sufragista», conta Emmeline Pankhurst na sua autobiografia com o título My Own Life.
Aos quinze anos por sugestão dos pais vai estudar para Paris onde as suffragettes também faziam os seus comícios de rua, não esquecendo que anos antes Olímpia de Gouges ousara escrever a Declaração dos Direitos da Mulher, em 1791 e no ano seguinte, a inglesa Mary Wollstonecraft publicara Reivindicação dos Direitos das Mulheres. Na Grã-Bretanha um político com visão de futuro, John Stuart Mill, em 1866 apresentou uma Petição ao Parlamento pelo direito ao sufrágio feminino, mas a petição foi rejeitada. O seu estudo com o título The Subjection of Women, em 1869 foi traduzido em todas as línguas europeias e tornou-se a referência para as correntes do liberalismo político que se avizinhava.
Nunca deixando de militar nas causas sociais Emmeline, quando o primeiro ministro Earl Grey fez aprovar a Poor Law Commission de apoio às famílias pobres, Emmeline Pankhurst ficou como responsável oficial do cumprimento da lei. Nessa condição visitou muitos bairros pobres e sabia bem como a pobreza era muita no seu país. Emmeline casou, em 1879, com 21 anos,com o brilhante advogado Richard Pankhurst, que tinha quase o dobro da sua idade, mas que comungava das mesmas ideias da jovem. Ele foi pioneiro na escrita de legislação garantindo à mulher a independência das suas rendas ou ordenado e a favor do voto das mulheres solteiras nas eleições locais.
Em seis anos, o casal Pankhurst teve 4 filhos. O casal teve ao todo cinco filhos mas sobreviveram apenas quatro raparigas. Os Punkhurst fazia parte do Independent Labour Party e Richard acabou por ser eleito para a Câmara dos Comuns, escassos meses antes de uma doença súbita o vitimar, em 1898. As filhas mais velhas já adolescentes apoiaram vivamente a mãe.
Em 1903 Emmeline, fundou com as filhas Christabel e Sylvia a WSPU - Women’s Social and Political Union que desenvolveu um trabalho assinalável. Em 1907 Emmeline vai residir para Londres e só em 1912 é que a sua luta pelo direito ao voto se intensifica, apoiada pela filha Christabel. Em 1907 mais de 100 mulheres membros da WSPU passaram pela prisão onde muitas vezes eram insultadas e pontapeadas. Uma irmã de Emmeline, Mary, membro da WSPU em Brighton, foi encarcerada na Holloway Prison, em 1910 tendo morrido pouco depois.
As sufragistas criticavam duramente os políticos e estes andavam de cabeça perdida porque levaram tempo a perceber que com uma simples lei acabavam com a agitação. Mas como é sabido as mentalidades é o que mais tempo demora a mudar!
No ano de 1912, Emmeline foi presa 12 vezes, apesar de ser uma respeitável viúva de 54 anos. Em 1917 Emmeline e Christabel fundam o Women’s Party onde exigiam «para trabalho igual, salário igual» e benefícios para as mulheres que tinham filhos. No fim da I Grande Guerra (1914-1918) Emmeline visitou o Canadá e os EUA. Regressou em 1925. E, ironia do destino, poucos meses depois da sua morte, em 1928, as mulheres puderam finalmente votar em Inglaterra, sem restrições. Morreu com 70 anos.
Christabel (1890-1958), a filha mais velha de Emmeline, seguiu as pisadas da mãe na luta pela emancipação das mulheres e foi uma sufragista carismática. Estudou Direito e era adepta de movimentações de rua para chamar a atenção para as justíssimas reivindicações femininas. E pensava: «se as coisas não vão a bem vão a mal».
E é sabido que Christabel e as suas companheiras provocavam distúrbios de toda a ordem para serem ouvidas. Na sua autobiografia, com o título What I Remenmber relata como faziam as acções de quase vandalismo, e de alguma loucura, como acorrentarem-se às grades do Palácio de Buckingham, para serem ouvidas. Acabavam sempre encarceradas. Na prisão faziam greve de fome e adoeciam dadas as precárias condições higiénicas. Saiu uma lei, que ficou conhecida como Cat and Mouse Act, que não era mais que um perigoso jogo do gato e do rato. Que se passava assim: primeiro: as sufragistas radicais eram presas por desacatos, depois na prisão recusavam-se a comer e a seguir adoeciam. Então a opinião pública forçava e os políticos mandavam-nas libertar. Postas em liberdade ou em hospitais para se curarem e se alimentarem à força, eram de novo encarceradas até cumprirem as sentenças! Uma corrente infernal.
Christabel esteve sempre do lado da mãe, até ao seu falecimento, depois aderiu à Igreja Metodista e foi residir para os EUA.
Testemunho da prisioneira do Cat and Mouse Act, Annie Kenney, em Abril de 1912: |
Em 1897 a inglesa Millicent Garrett Fawcett fundou a National Union of Womens’s Suffrage. Baseava a sua luta pelo voto numa justa argumentação. Era paciente e esperava resultados. Se as mulheres pagavam impostos como os homens deviam poder votar como eles. Em 1903 com a criação da WSPU por Emmeline Pankhurst, Fawcett percebe que os progressos da sua missão eram demasiado lentos e que era preciso agir de outra forma. Em 1905 Christabel Pankhurst e Annie Kenney interromperam um comício em Manchester, onde dois políticos da ala liberal discursavam. Eram eles, Winston Churchil e Sir Edward Grey. Elas gritaram pedindo direito ao voto. Os homens calaram-se e a polícia levou-as, porque perturbavam a ordem e como se recusavam a pagar a multa eram encarceradas. Deste modo mostravam as injustiças do sistema. Os políticos estavam bastante confusos sobre a melhor atitude a tomar contra estas mulheres, que lhes perturbavam o pequeno-almoço e os derbies. E a família real inglesa, com a rainha Vitória (até 1901) como soberana, era contra o voto das mulheres, daí que também em frente de Buckingham Palace as manifestações tivessem lugar. Nestas lutas de rua o mais trágico acontecimento foi em Junho de 1913 quando a feminista Emily Wilding Davison numa corrida de cavalos se atirou para debaixo das patas do cavalo do rei, tendo acabado por morrer dos ferimentos. A WSPU organizou um espectacular funeral e as sufragistas fizeram dela a sua primeira mártir.
Sylvia (1882-1960) era diferente de Christabel e sempre acompanhara o pai, quando ainda criança a levava a fazer campanha pelo Partido Trabalhista Independente. Sylvia era uma pacifista e jamais aderiu às campanhas violentas da WSPU da mãe e irmã. Sylvia estudou no Royal College of Arts, era escritora e artista e foi ela quem desenhou e escolheu as cores dos uniformes que usavam as mulheres da WSPU. Púrpura, verde e branco. Púrpura representava a dignidade, branco a pureza e verde a esperança no futuro. Em 1914 Sylvia (1882-1960) sai da WSPU. A organização, dada a situação de guerra parou as suas actividades para darem apoio aos soldados feridos na 1ª Grande Guerra, enquanto que Sylvia com outras mulheres, conseguiram angariar dinheiro para abrir hospitais para bebés em Londres. Entusiasmada com a Revolução russa de 1917, partiu e foi conhecer pessoalmente Lenine. As ideias pró-comunistas vão entusiasmá-la. Em 1930 vai apoiar os espanhóis na Guerra Civil. Sylvia também ajudou refugiados judeus a fugir da Alemanha nazi e na campanha de Itália, na Etiópia, manifesta-se contra a invasão. Em Itália conheceu o italiano socialista Silvio Corio e, coerente com as suas ideias, pois era contra o casamento, teve solteira o filho Richard, que nasceu em 1927. Sylvia Pankhurst seria convidada pelo governo etíope para residir naquele país. Ali fundou diversos jornais, onde desenvolveu uma intensa campanha anti-racista. Viveu na Etiópia onde morreu em 1960 e teve honras de funeral de Estado, tal era a consideração que os etíopes lhe dedicavam.
Em finais de 2001 decorria uma campanha de angariação de fundos para erigirem uma estátua a Sylvia. O próprio filho esteve envolvido nessa homenagem.
Emmeline Pankhurst em 1912, numa das suas palestras disse:
«Nós as mulheres sufragistas temos uma grande missão – a maior missão que o mundo jamais teve. A de libertar metade da humanidade, e através dessa libertação salvar a outra metade.»
A versão inicial deste texto foi publicada na Revista Máxima de Março de 2002.
A presente versão, revista pela autora, foi inserida no Portal O Leme em 03-03-2005.