O Ego e a Alma no nosso percurso
Para facilitar percebermos o papel do ego, talvez seja mais fácil apenas definir o que é a alma e o que é o ego, e deixar cada um com a sua conclusão. Resumidamente, o ego é tudo o que nos obriga a esconder a nossa pureza, a nossa inocência, a nossa bondade, o amor que temos por nós e pelos outros, é o que nos impede de viver apenas o presente e de ver esse momento presente como um momento sagrado que é e não viver os medos do passado ou as ansiedades do futuro. É o que nos impede a vivencia da pura alegria e felicidade, do bem-estar incondicional e da aceitação total de todas as diferentes experiencias da matéria. O Ego é a reacção, a repetição, a não evolução, a não mudança, é o controle sobre tudo e sobre todos. É aquela parte de nós que resiste às mudanças, que não abdica da razão e que faz tudo para manter a sua zona de conforto e controle em plena segurança. Hemisfério esquerdo faz-nos identificar com o ego. Somos nós independentes dos outros sem qualquer elo energético, ilusoriamente auto-suficientes e independentes e como tal, desligados de tudo, de todos, do Todo. Todo o esforço é pouco para manter intacta a imagem e respectiva sensação de ser o melhor, para chamar à atenção. Há uma necessidade enorme do outro exterior pois é através dele que eu consigo ser grande. Tudo se passa à volta de manter um pedestal e torná-lo o mais alto possível. Mas esse pedestal tem senãos; é frágil e muito solitário. Ao ver-se e sentir-se cada vez mais sozinho, as emoções de solidão e medo começam a tomar conta. Medo que algo ou alguém possa abalar esse pequeno ser frágil no meio de um mundo gigante e aparentemente caótico. O instinto de defesa, segurança, protecção passam a ser desmedidos. Por termos consciência da fragilidade do nosso ser, colocamos máscaras que simulam uma falsa força, independência, autosustentação, segurança. Tudo e todos passam a ser uma ameaça vistos como pequenos reinos espalhados pelo mundo cada um a fazer de tudo para defender o seu castelo. Só o tempo o fará perceber o quanto esse castelo é solitário, frágil e em última instancia, ridículo. Visto de cima, todos estão num mesmo planeta. O ego insiste em criar fronteiras, defesas, a alma não vê as fronteiras e cuida de tudo e todos como se de um jardim comum se tratasse. controlar e manipular são as palavras de ordem do ego. Alma é isso que em nós sente, como diz Maria Flávia de Monsaraz, sente, intui, dá-nos a sensação de pertença à família humana, lembra-nos continuamente a importância de amar incondicionalmente, perdoar, de sentir. Faz-nos observar a magia que vem da fragilidade, da humildade e propõem-nos assumir a responsabilidade por tudo o que nos acontece. É ela que nos inspira a desistir, a ceder, a pedir desculpa, a abdicar de ter razão. A alma não tem problemas em se mostrar frágil, vulnerável, humilde. Ela sabe que sem estas características, ela se perde facilmente, e ela não se quer perder. É ela que sabe tão bem encolher os ombros quando desiste de lutar pois sabe que a luta apenas trás sofrimento. Dá-nos também a sensação da existência de algo maior do que nós, e dessa conclusão e respectivo sentimento, surge a reverência por esse algo superior.
A Alma faz-nos sentir bem quando queremos acreditar que tudo faz sentido mesmo que não aparente e quando tudo parece caótico. Ela sabe ler a linguagem do mundo como diz Paulo Coelho, e é nessa linguagem que a vida nos mostra o nosso percurso. Faz-nos acreditar e lembrar que a nossa vida tem um propósito divino. Vivemos o descanso, a paz, a aceitação, a tranquilidade de que, o que quer que estejamos a passar, faz parte de um projecto maior nem sempre entendido mas tantas vezes sentido. Sentimos que alguém está tomar conta de nós. Sentimos também claramente os laços que nos ligam uns aos outros e tomamos consciência do diferente papel que cada um tem na nossa vida. É ela que sabe ler nas entrelinhas e consegue a proeza de ler um olhar.
Por se manifestar no hemisfério direito ela dá-nos a capacidade de sermos criativos e de criarmos belas obras de arte que só uma alma consegue sentir, decifrar, compreender. É através da alma que manifestamos a humildade. Fluir e aceitar, são palavras de ordem.
Para mim o grande desafio da vida é a tomada de consciência destas duas energias em nós e de tudo o que elas nos fazem sentir. Seja a facilidade em sentir as energias e estados de espírito dos outros, seja a arrogância e incapacidade de nos fragilizarmos perante os outros, o desafio é reconhecer e aceitar as duas em nós e fazermos as pazes com elas. Mas para isso é preciso Despertar.
Falar em Despertar, implica que existe à partida um estado de adormecimento, um estado de não atento, de não consciente e logo de não escolha. É ainda o estado do ego. Quando Despertamos dá-se o acordar para a nossa verdadeira realidade divina, energética e espiritual. E não deixa de ser curioso que não existe povo, raça, ser humano que não sinta mais cedo ou mais tarde um apelo mais profundo por algo superior. Até os cépticos, não estão mais do que a fugir a algum tipo de memória de uma ligação complicada, dolorosa ou frustrada com o divino.
Diz-nos a sabedoria antiga que tudo o que chega a um limite, vira no seu contrário. Vivemos num mundo dual e por isso tanto a tristeza como a felicidade tem que coexistir. A verdadeira felicidade é o equilíbrio das duas e não a rejeição do negativo e a busca frenética pelo positivo que no fundo é o que vivemos nas sociedades ditas avançadas.
Acredito que começamos por viver numa escada descendente, em que nos distanciamos cada vez mais da nossa alma e do céu, em que o objectivo principal é sobreviver. É a sobrevivência do ego. É a luta, o confronto, a resistência em querer sempre mais seja a que custo for. Por ser simbolicamente uma escada descendente, ela aparentemente é fácil, mas também nos distância cada vez mais do divino. São as experiências da matéria, as vivencias emocionais mais densas. Por não ter ainda a experiência da sensibilidade, da humildade, da empatia, o relacionamento com a vida e especialmente com os outros é violento, agressivo e por isso é também o caminho das perdas, uma maneira subtil do céu nos dizer que não é por ali, que não é assim.
São as perdas que nos fazem parar, questionar e em casos extremos, olhar para o céu em busca de resposta e ajuda. Em busca da re-li-ga-ção.
Quando a identificação com a matéria e o ego é total ou exagerada ao ponto da pessoa perder o contacto com as suas emoções, com a sua capacidade de amar ou com a sua dificuldade em fragilizar, a Vida propõem-nos vivencias a que chamamos perdas mas que não são mais do que oportunidades disfarçadas de nos reconectarmos com a nossa essência divina e com as nossas emoções. O célebre ditado “Há males que vem por bem” é apenas a velha sabedoria a resumir este conceito.
Começa então a viver na escada ascendente, rumo a algo superior, mais íngreme, mais difícil mas muito mais recompensadora.
O Despertar não é mais do que a tomada de consciência de que todas as vivências que passamos fazem parte de uma evolução espiritual que está a acontecer em simultâneo com as nossas vidas terrenas. É a aceitação incondicional de tudo o que atraímos como fundamental na nossa evolução. É observar o observador, dar um passo atrás e vermo-nos a nós próprios e tomar consciência do papel que estamos a desempenhar. É a capacidade de observar que não somos vários, que somos um. Um porque partilhamos os mesmos medos, os mesmo anseios, as mesmas emoções.
Por exemplo: Na nossa vida terrena todos fazemos um percurso idêntico; nascemos, aprendemos, namoramos, casamos, temos filhos, trabalhamos, etc. No nosso percurso espiritual passa-se algo idêntico mas num nível interior; fazemos as experiências das várias emoções, sejam elas positivas ou negativas, fazemos a experiência do ego e normalmente mais tarde a da alma. A matéria só serve para ir buscar sensações, emoções que depois irão ser alquimizadas dentro de nós. Infelizmente não fomos ensinados a fazer esta ligação e acabamos envolvidos na matéria e a rejeitar todo o lado emocional, intuitivo e sensível.
Por isso o Despertar é a distancia que nos permite observar este fenómeno. Que nos permite tirar sempre uma lição das experiências vividas, que nos permite observar a tal evolução a acontecer. Despertar é também a consciência de que somos seres autónomos dentro do Todo, com a responsabilidade por nós próprios, que temos o poder da escolha, de agir de acordo com aquilo que somos e que acreditamos, do que sentimos, sem deixar que os outros ou a matéria nos desviem do nosso caminho, e, confiando que levar a cabo estas escolhas conscientes, é o caminho da abundância, mesmo que na matéria tudo indique o contrário.
Este Despertar pode acontecer por um trânsito astrológico, por uma perda, por influência de alguém que está na nossa vida, exactamente com esse propósito espiritual ou simplesmente por um apelo interior em buscar sentido para a Vida.
É um pouco como os jogos de playstation, quando estamos muito envolvidos com o jogo, trememos a sentir medo do “monstro” que aparece, ou podemos pular de alegria porque passamos de nível, mas quando o jogo acaba, aquele medo e aquela alegria não são a nossa realidade e nós sabemos bem separar isso. Neste caso, Despertar é voltar ao nosso “verdadeiro” eu que não é o boneco do jogo.
Quantos de nós já não sentiram vontade de fugir, desaparecer, evaporar quando os problemas apertam, as dificuldades aumentam, as perdas surgem? Muitas vezes as emoções que advêm destas situações são tão fortes que parecem insuportáveis. E são, embora a verdadeira dor tenha mais a ver com a resistência a estas mesmas situações do que aquilo que elas próprias provocam. A dor surge pela identificação do Ego com os problemas ou desafios. A Alma limita-se a aceitar tudo o que vem como aprendizado, proposta de evolução e ligação Kármica com a situação e todos os envolvidos. Ela limita-se a procurar o que está por trás do acontecimento, a lição, o Ego luta contra o acontecimento. E o acontecimento vai-se repetindo enquanto a aprendizagem por trás desse acontecimento não acontecer. E por isso nos vemos tantas e tantas vezes encalhados nas mesmas situações, com o mesmo tipo de pessoas. Assim que a aprendizagem é feita, é acompanhada da respectiva limpeza emocional ou seja, a densidade acumulada é transformada e o acontecimento exterior já não tem razão de existir e “magicamente” desaparece.
Não é muito difícil então de perceber qual a energia predominante no mundo, nos relacionamentos sociais, profissionais, políticos ou mesmo familiares. E também não é muito difícil de imaginar o que será este planeta quando todos conseguirmos vibrar pela alma ou que tipo de adultos teremos um dia se as nossas crianças forem educadas a saber identificar os seus egos, a honrarem as suas emoções e a assumir a responsabilidade por tudo o que lhes acontece sem jamais recorrer à culpa, ao julgamento ou à cobrança.
Quando despertamos custa-nos acreditar como andámos cegos durante tanto tempo, como escolhemos a violência em vez do amor em tantas situações, como todas as situações que passámos eram apenas testes à nossa capacidade de amar e por não sabermos ou acreditarmos nisto os fomos chumbando uns atrás dos outros.
Depois de alguns trânsitos fortes na nossa vida começamos a perceber que esta ligação à alma, este despertar para a nossa essência divina e a paz que daí advém, é a grande aventura da nossa vida e que sem isso, nada faz sentido. Mas para isso o Ego tem que morrer. Tem que se dar o Despertar. Numa época de grande consumismo, este é o maior legado que podemos deixar às nossas crianças de preferência através do exemplo próprio.
Fonte:
Vera Correia – Terapia da Alma